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Resposta amorosa para perguntas dolorosas

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Não são todos os dias que se pode acompanhar uma atuação dos voluntários da Hospitalhaços. Existem regras para proteger a saúde dos pacientes e de todos os envolvidos. Mas há momentos da vida em que é necessário uma imersão em outro mundo para se dar conta que o seu é bom, e, na data 7 de junho, estagiários de Jornalismo passaram algumas horas no ambiente hospitalar para descrever como é esse outro lado. O texto que segue conta o ponto de vista das voluntárias e responde um questionamento direto: por que fazer trabalho voluntário no século XXI?

Por: Laura Rouanet, estagiária de Jornalismo da PUC

Coulrofobia: o medo e a fobia de palhaços. Popularizado nos últimos anos, talvez pela representação maligna na cultura pop de seres tão tipicamente associados a crianças e ao riso. Essa é a função do terror, destacar um elemento aparentemente tão inocente do nosso dia a dia, ou da nossa infância, e colocar a ele uma conotação jamais pensada antes, assustando pela proximidade das nossas vidas. Mas os palhaços da vida real, na qual existem inimigos muito maiores que Pennywise, o palhaço de It, tem uma função muito diferente do entretenimento de Stephen King: curar.

Uma vida pautada pelo dinheiro nos limita a fazer uma série de coisas. O que você faria se isso não fosse uma questão tão essencial quanto respirar? Viajaria? Nunca mais trabalharia? Ajudaria alguém? Seria voluntário em algum hospital, trazendo alegria para crianças e adultos que até então eram estranhos para você? Para Nina Moleca, Elininda e Japonersa, dinheiro ainda é uma questão. Elas ainda levantam como Carol Guerra, Claudineia Trabuco e Mayra Niro e vão trabalhar, buscando estabilidade financeira. São três mulheres trabalhadoras que não destoariam de outras milhares de mulheres proletárias no Brasil. Exceto, talvez, às sextas-feiras a tarde. Nesse período, Carol, Mayra e Claudineia podem ser encontradas no hospital Mario Gatti com roupas extravagantes e narizes vermelhos. Elas são palhaços, ou palhaças, que tiram um dia do trabalho para levar alegria e animação aos pacientes ali internados.

Cabelo em maria-chiquinha, maquiagem branca e exagerada, nariz vermelho, sapato extravagante, meias chamativas e roupas coloridas. Para as três, é permitido e incentivado ser brega uma vez por semana, em troca de muitos sorrisos e ânimos melhorados. “Acho que não vou poder atuar… esqueci meu nariz”.  Japonersa olha triste para sua bolsa, já metade vestida a caráter. Mas não tinha com o que se preocupar: Elininda tinha achado um extra na semana anterior, e o show pode e deve continuar! “Vocês escolheram um dia para nos acompanhar não muito bom, metade da nossa equipe faltou”. É difícil para as pessoas conciliarem com o trabalho e a vida adulta, isso é entendido. Quem as vê no vestiário, se arrumando, conversando sobre o que aconteceu na semana na vida delas e se maquiando com os artifícios fornecidos por elas, não imagina o show que irá se seguir, arrancando risadas de todo mundo: pacientes, funcionários, enfermeiros e até a equipe de reportagem que foi acompanhá-las.

“Hoje estamos temáticas: festa junina!” E assim a música tradicional de quadrilha as acompanha durante toda a visita, deixando de lado a ideia de que hospital é um lugar de silêncio e seriedade. Palhaços de hospital não têm como função apenas animar o paciente, mas também levantar os ânimos dos acompanhantes e até dos funcionários. E assim que elas trabalham, mexendo e fazendo piada com quem quer que esteja no caminho. “Eu admiro muito seu trabalho!” é o que mais se escuta ao longo da tarde de sexta-feira. O humor das três é sincronizado, demonstrando uma experiência e uma inteligência que vai além do tempo que elas têm de Hospitalhaços.

“Querem quentão?” oferece Nina Moleca, com uma caneca vazia e um sorriso no rosto. A equipe de reportagem recusou, estávamos em expediente. “Como o senhor veio parar aqui? Tentou pular a fogueira?” Risos tímidos de alguém surpreendido com uma boa dose de humor num local improvável, sem saber o que responder. A equipe de funcionários, mais acostumada com a presença dos voluntários do Hospitalhaços ali, responde bem-humorada, arrancando risos de volta das três palhacinhas.

No meio do trabalho, o nariz de palhaço de Japonersa arrebenta. “Alguém tem um médico de nariz? Ela foi tirar ‘catota’ e o dedo ficou preso…”. Não há o que temer: estamos em um hospital, afinal de contas! Como demonstra o nariz partido, existem percalços nesse caminho até o Mario Gatti todas as sextas, mas nada que não é facilmente esquecido assim que o primeiro sorriso de um paciente, o primeiro brilho no olhar de um acompanhante, ambos chateados pelo clima solene de um hospital, é visto. Para que se fazer trabalho voluntário no século XXI, quando todos estamos tão atolados de deveres, dívidas e falta de tempo? A resposta está nesses sorrisos, na visível melhora de ânimo de todos os envolvidos no dia a dia do hospital, nas piadas inteligentes e na energia que as três depositam todas as sextas. De uma forma terapêutica, elas deixam de lado todos os problemas em casa e incorporam de corpo e alma o papel de palhacinhas animadas do Mario Gatti.

Carol Guerra, mesmo sem a fantasia de Nina Moleca, é uma pessoa vibrante e animada, que há anos realiza trabalho voluntário e considera parte essencial de sua vida. “Cheguei a ser palhaça para minha própria vó, quando ela estava no hospital. Foi ela que me inspirou o nome, Nina Moleca, então foi uma experiência muito emocionante”. Mayra sempre gostou do ambiente do hospital, tanto que foi trabalhar como fisioterapeuta, e da ideia de fazer trabalho voluntário. Resolveu unir os dois. Claudineia é mãe de dois palhacinhos, como ela mesmo os chama, e faz jornada tripla, com o hospital, a maternidade e o trabalho. O comprometimento e dedicação delas a seus papéis, porém, faz quem está de fora ter a impressão de que elas nunca tiveram outro trabalho na vida: de que elas são em tempo integral a alegria do Mario Gatti.

Não é um trabalho fácil, longe de ser, nem uma piada para elas: além das dificuldades de suas vidas pessoais para se estar ali, elas veem coisas que a maior parte da sociedade prefere ignorar. Pessoas que estão doentes, especialmente crianças que estão doentes, são colocadas fora do plano de visão do dia a dia dos olhos mais sensíveis, em uma quarentena forçada. Médicos, enfermeiros, funcionários, acompanhantes e os palhaços não podem, porém, olhar para o lado e seguir em frente com sua vida, feliz de que não é alguém que eles conheçam. Eles lidam com uma das maiores questões da nossa sociedade moderna de cabeça erguida, feliz de ajudar e de trazer um pouco de alegria a um mundo tão cinza.

 

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